“Onde está meu coração”, série de televisão brasileira exibida pela TV Globo e pela plataforma de streaming Globoplay. trouxe a abordagem de um assunto muito sério, interessante e polêmico na infância: a adoção intuitu personae. Você já ouviu falar?
Chamada de “adoção por pessoa certa” ou “adoção dirigida”, nesta modalidade de adoção os genitores escolhem entregar o filho para uma pessoa ou para um casal (hetero ou homoafetivo, claro), pois desejam que estas pessoas assumam a responsabilidade sobre a criança na condição de pais (e não de simples guarda). Ocorre também quando um pretendente à adoção escolhe adotar uma criança específica, sem passar pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em razão da preexistência de vínculos afetivos.
No caso da minissérie da #Globo, embora a cena tenha retratado este tema sem dar a profundidade adequada – e até tratando com uma preocupante naturalidade, o debate é interessante.
A personagem de Letícia Colin, Amanda, é médica e dependente química. Em um de seus plantões, já na fase de seu tratamento na luta contra o vício, conhece uma usuária grávida, Camila, em trabalho de parto. Nasce uma menina e a mãe biológica, desde o nascimento, a rejeita - e, aqui, um primeiro dado: a rejeição pode ocorrer por medo da falta de estrutura, inclusive financeira, de criar a criança, igualmente motivada pela falta de assistência pública adequada.
A criança fica internada em razão de algumas complicações, Amanda se sensibiliza durante o tratamento e, passados alguns dias, a bebê é deixada na porta da casa da médica com um “bilhete”, coisa que normalmente acontece só no cinema.
A entrega dirigida normalmente tem como fundamento a confiança depositada pelos pais biológicos nos adotantes em clara manifestação de vontade decorrente do exercício do poder familiar em vida, mas ela não tem respaldo na legislação, embora possível em alguns casos, como de crianças fora do perfil do SNA ou de adoção por algum parente, por exemplo.
Nos casos de bebês e crianças pequenas, é preciso observar que eles dentro do perfil de pretendentes à adoção inscritos no SNA e essa entrega, se feita a um terceiro “desconhecido”, gera um sério debate a respeito de se “furar a fila” possibilitando a fraude, e até de uma adoção irresponsável, sem que haja a devida preparação dos adotantes.
Mas o que a mãe Camila poderia ter feito?
No hospital onde realizou o parto, a mulher pode manifestar o interesse de entregar a criança à adoção, com direito de ser atendida de forma humanizada e sem constrangimentos, garantindo seus direitos fundamentais e os da criança, até para que a decisão seja consciente e madura. É feito acompanhamento por equipe multidisciplinar e a mulher pode optar pelo sigilo, embora a criança tenha o direito autônomo de conhecer sua origem biológica. Na entrega, podem ser ofertados dados sobre a criança, como históricos de saúde da família de origem e de como se desenvolveu a gravidez.
E o que a médica Amanda deveria ter feito?
Poderia ter acionado o Conselho Tutelar ou ido diretamente ao Ministério Público para informar o ocorrido e para que a criança fosse inserida corretamente no SNA. No caso de desejar assumir a maternidade – opção apresentada na minissérie – deveria ter procurado uma advogada/o para ingressar com o pedido de adoção (que não é simples, haja vista o acima narrado).
Ou seja, a série poderia ter mostrado um pouco dos desdobramentos jurídicos e sociais do caso, ainda que para alertar o público a respeito desta temática, a fim de não gerar falsas impressões a respeito, como se adotar uma criança fosse um processo informal, rápido e irresponsável.
Se permaneceu com alguma dúvida, busque apoio profissional!
Comentários: