Enquanto o gerenciamento da pandemia – ou a falta de – continua em discussão, temos um outro problema sério para os próximos anos e que deve entrar com urgência em pauta: o gerenciamento dos prejuízos indiretos decorrentes da pandemia e da política de enfrentamento ao problema adotada no Brasil.
Estudo da Vital Strategies, organização sem fins lucrativos com atuação global em saúde pública, mostra mais de 55 mil mortes acima do previsto no Brasil, em 2020, decorrentes de outras doenças que não a COVID-19; ou seja, poderiam ter sido evitadas.
O estudo, assinado por especialistas, considerou vários indicadores, tendências de mortalidade, estatísticas históricas, mortes naturais, mortes por envelhecimento e perspectivas projetadas para próximos anos. O excesso de mortalidade, que é o aumento de notificações além do esperado, não considera apenas a população vitimada pela COVID-19, mas também as mortes decorrentes de adiamento de cirurgias, cancelamento de consultas médicas, interrupção de tratamentos, não diagnóstico de inúmeras doenças, medo de procurar serviços de saúde, desinformação e insegurança sobre orientações médicas.
O que isso já acarretou de prejuízo ao país pesquisa alguma conseguirá refletir, assim como também é imensurável como seremos castigados com os reflexos desta crise nos próximos anos. Contudo, é visível que os próximos anos serão marcados pelas consequências deste cenário e já podemos prever agravamento de doenças que tiveram tratamento negligenciado ou adiado, falecimentos precoces, diagnósticos que deixaram de ser feitos, sequelas irreversíveis e/ou incapacitantes que não foram tratadas precocemente etc.
Essa situação também implicará mais perda de vidas, estendendo o luto no país, e comprometimento da qualidade de vida de inúmeros cidadãos que demandarão, apenas para citar alguns exemplos, tratamentos contínuos, transplantes, convivência com sequelas, afastamentos temporários ou permanentes por problemas de saúde e muitos outros problemas que poderiam ter sido evitados. A pressão seguirá recaindo sobre serviços de saúde.
O Conass-Conselho Nacional dos Secretários de Saúde alerta que muitas dessas mortes classificadas como “em excesso” poderiam ser evitadas, em especial com uma política focada na estruturação da Atenção Primária. Sociedades médicas vêm alertando há muito tempo para a questão do subdiagnóstico de casos de câncer. Segundo o British Medical Journal, tratamento de câncer adiado por um mês eleva risco de morte de 6 a 13%, o que é agravado a cada mês sem tratamento. Doenças negligenciadas deixaram de ser diagnosticadas, como é o caso da hanseníase: de 28 mil diagnósticos em 2019 foi para 14 mil em 2020, agravando a cadeia de transmissão da doença. A pandemia também deixou pacientes de hanseníase sem medicação no Brasil, o que deve refletir, nos próximos anos, em aumento de diagnósticos de pacientes com grau 2 de incapacidade física por complicações da doença.
O Conass mantem no ar um painel sobre a problemática do excesso de mortalidade que segue sendo atualizado e é um material rico para alertar sociedade civil e autoridades e, mais que isso, para embasar o desenvolvimento de estratégias para atuação dos sistemas de saúde público e privado nos próximos anos, para direcionar investimentos, para considerar com mais seriedade a aproximação de atuação conjunta entre a saúde pública e privada porque, afinal, esta não é a primeira e não será a última situação de emergência em saúde no Brasil e no mundo que acarretará implicações em cadeia em outras áreas. Além disso, temos um cenário a ser considerado à frente com o problema do subdiagnóstico, falta de prevenção e tratamentos suspensos.
Como atuarão os serviços de saúde e também as instituições de amparo ao cidadão e de fomento ao desenvolvimento do país pós-pandemia? Esta é a questão que precisa ser colocada em pauta por sociedade civil e governos.
Yussif Ali Mere Jr.
Presidente da Federação e do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de Ribeirão Preto e Região (FEHOESP e SindRibeirão)
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