Não repercutiu bem entre os militares da caserna a fala de Luís Roberto Barroso no Brazil Summit Europe, evento organizado por alunos da universidade alemã Hertie School, em 24 de abril. Na ocasião, o ministro do STF afirmou que as Forças Armadas estão sendo “orientadas” a atacar o processo eleitoral brasileiro na tentativa de “desacreditá-lo”. Não demorou, portanto, para que o ex-comandante do Exército e atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, divulgasse uma nota considerando a fala de Barroso uma “ofensa grave”.
Ora, muito surpreende um general do Exército - instituição há muito desmoralizada por ter encabeçado uma ditadura no Brasil, diga-se de passagem - se sentir injuriado porque um ministro da mais alta corte do país não repetiu a ladainha mentirosa constantemente dita pela Força terrestre de que ela é “ilibada”.
Dado o histórico do Exército, o senhor Paulo Sérgio deveria tomar mais cuidado com o que considera “ofensa grave” a fim de não cair no ridículo.
Ao contrário do que diz o militar, “ofensa grave” foi gastar R$ 15,6 milhões em leite condensado, R$ 16,5 milhões em batata frita embalada, R$ 2,2 milhões em gomas de mascar, R$ 32,7 milhões em pizza e refrigerantes, e R$ 2,5 milhões em vinhos. Tudo isso enquanto o Brasil padecia por uma de suas piores crises sanitárias, e Estados e Municípios nem sequer tinham recursos para insumos hospitalares.
“Ofensa grave” foi impor sigilo de 100 anos no processo que julgou a participação do general Eduardo Pazuello em ato político ao lado de Jair Bolsonaro no final de maio de 2021, claramente desrespeitando o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4), que, entre outras coisas, diz ser proibido “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”.
“Ofensa grave” foi o Exército manter no comando do Superior Tribunal Militar (STM) um general que, após a divulgação de áudios de ex-ministros do STM que confirmariam a prática de tortura durante a ditadura militar, disse que não tinha “resposta a dar”, quando grande parte dos sobreviventes de tais práticas abomináveis ainda estão vivos e esperam o mínimo de justiça.
“Ofensa grave” foi o Exército ter sido conivente com a declaração do general Eduardo Villas Bôas que, nas entrelinhas de uma série de posts no Twitter, revelou sua intenção de "intervir" caso o Supremo Tribunal Federal concedesse Habeas Corpus ao ex-presidente Lula da Silva, em 2018.
“Ofensa grave”, por fim, foi gastar R$ 3,5 milhões em prótese peniana e adquirir 35.320 comprimidos de viagra com superfaturamento de 143% sob a justificativa de que o remédio seria para o tratamento de hipertensão arterial pulmonar, doença que acomete mais mulheres (enquanto as Forças Armadas do Brasil são compostas majoritariamente por homens).
Ao senhor Paulo Sérgio, portanto, sugiro, ao invés de ficar assinando notinha de repúdio, voltar a fazer o que o Exército Brasileiro faz de melhor: pintar muro e bater continência para um pedaço de pano.
Em vista de tudo isso, invejo um amigo meu, que, perguntado se era militar, respondeu: “Não, não. Não dei esse desgosto para os meus pais”.
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