Qualquer pessoa que seja usuária assídua das redes sociais certamente reconhecerá os seguintes termos: "ile", "elu", "todes" e "prezad@s". A linguagem não binária, mais conhecida como linguagem neutra, já vem sendo utilizada na internet há, pelo menos, uma década, principalmente entre a comunidade LGBTQIA+. O “fenômeno” social e, sobretudo, linguístico pretende tornar a língua mais inclusiva e atender a um público que não se identifica com a gramática normativa.
Não há dúvidas de que a linguagem muda com o passar do tempo. Negar isso seria puro delírio ou estupidez colossal. Entretanto, todas as mudanças não foram, nunca, realizadas por meio da imposição, implementadas “de cima para baixo”. Todas elas partiram necessariamente da adesão pública.
Um bom exemplo disso é o latim, língua mãe do português. Linguistas, estudantes de Letras, seminaristas, padres e os brasileiros que pertencem à geração “Baby boomer” - essa geração em específico porque o latim deixou de ser disciplina obrigatória nas escolas em 1961 - sabem muito bem que existe o latim clássico e o vulgar. O primeiro era aprendido nos colégios e raramente sofria alterações. Já o vulgar, era o latim falado, a língua do cotidiano usada pelo povo, em sua maioria, analfabeto. Esse latim, sim, passou por constantes modificações, que deram origem a várias línguas românicas.
O próprio português falado no Brasil demorou mais de dois séculos para se consolidar. O que se fala hoje por aqui é resultado da mescla entre a língua nativa de Portugal com diversos dialetos - como o tupinambá, o quimbundo, o quicongo e o umbundo - e idiomas de imigrantes que chegaram de vários cantos do mundo. Essa miscigenação linguística, portanto, ocorreu de maneira natural, sem ter sido imposta por ninguém.
A proposta da linguagem neutra, por sua vez, segue o caminho contrário. Ignorando o fato de já existir uma linguagem inclusiva no português - proposta não sexista que busca comunicar sem excluir ou invisibilizar nenhum grupo e sem alterar o idioma -, alguns militantes arraigados pretendem compelir uma nova forma de escrever e falar o português sob o pretexto de tornar a língua mais inclusiva.
Contudo, esse mesmo grupo esquece ou finge não ver que, somente no Brasil, cerca de 10 milhões de pessoas são diagnosticadas com algum transtorno de aprendizagem, sendo a dislexia, um distúrbio de aprendizagem caracterizado pela dificuldade de leitura, o mais comum. Nessa condição, o cérebro da pessoa com dislexia tem dificuldade para encadear as letras e formar as palavras. Assim, como ficariam esses indivíduos ante a mudança na escrita?
Outro grupo ignorado é a população de surdos. No país, há mais de 9 milhões de brasileiros com deficiência auditiva. Portanto, como que, de uma hora para outra, essas pessoas vão conseguir interpretar a linguagem labial sem se confundir?
Por fim, os cegos. Demorou um bom tempo para que a tecnologia se aprimorasse a ponto de desenvolver softwares que fizessem a leitura de textos e códigos para quem tem algum tipo de deficiência visual. Com a linguagem neutra, como que essas ferramentas de leitura vão interpretar palavras como “prezad@s”, “queridxs”, “bem-vindes”, entre outras?
É extremamente relevante e impreterível propor uma linguagem inclusiva e não sexista, contudo, mudanças como as que são propostas pela linguagem neutra devem ser discutidas com muita cautela e, principalmente, por quem tem seu “lugar de fala”. Além da comunidade LGBTQIA+, linguistas e gramáticos precisam ter mais voz ativa nesse debate.
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