Segundo dados do IBGE, mais de 50% da população brasileira é negra e quando olhamos os números deste mesmo órgão sobre ocupação de cargos gerenciais no mercado de trabalho e representação política, a porcentagem de pessoas pretas e/ou pardas é muito menor do que a de brancos. Ou seja, não há representatividade e os reflexos dessa ausência de pessoas negras em espaços de poder e tomada de decisão são significativos.
O que isto tem a ver com o título deste artigo? Tudo!
Na última semana noticiou-se o falecimento de Kethlen Romeu, modelo negra morta de 24 anos em ação policial no RJ, quase exatamente um mês após a chacina no Jacarézinho, quando aproximadamente 30 pessoas morreram. E Kethlen é, infelizmente, parte das estatísticas assombrosas de uma juventude perdida no Brasil, especialmente a juventude negra.
Voltando aos percentuais do IBGE, apesar de não ocuparem espaços de poder, a população preta ou parda é alarmante maioria nos quesitos de pessoas abaixo da linha da pobreza (32,9% contra 15,4% de brancos, com renda inferior a US$ 5,50/dia) e de analfabetismo (9,1% contra 3,9% de brancos). Na taxa de homicídios, então, a porcentagem de pessoas pretas e pardas é de 98,5%, enquanto a de brancos se mantem em 34%. Uma verdadeira epidemia oculta, números que se mantém ano a ano e que, por falta de políticas eficazes, não apresentam uma solução imediata ou mesmo a longo prazo. Perde-se de vista o fim.
Dentro deste mesmo recorte de raça, o jovem é alvo e a "juventude perdida" é até mesmo colocada como um dos tópicos do mapeamento da violência no Brasil pelo "Atlas da Violência", organizado pelo IPEA, havendo outro com enfoque na população negra. Dois pontos focais da violência no Brasil que tem destino certo: a juventude preta e parda.
Os homicídios são a principal causa de mortalidade de jovens (grupo etário de pessoas entre 15 e 29 anos), representando mais de 50% do total de homicídios no país, inclusive. Deste total, mais de 75% dos mortos são negros. Segundo o IPEA, "esse fato mostra o lado mais perverso do fenômeno da mortalidade violenta no país, na medida em que mais da metade das vítimas são indivíduos com plena capacidade produtiva, em período de formação educacional, na perspectiva de iniciar uma trajetória profissional e de construir uma rede familiar própria" (Atlas da Violência; 2020).
Apesar de ser citado como um dos principais entraves para o avanço de patamares mínimos de segurança pública no país, ainda continuamos silenciados, enquanto sociedade, por um racismo estrutural que mata, direta e indiretamente. Isto porque ainda elegemos poucos políticos que encarem a questão da segurança pública e do combate ao racismo com sede de mudança e com base nas estatísticas produzidas de forma comprometida e séria.
O assunto é de suma importância e não à toa a ONU, em 2015, instituiu a Década Internacional de Afrodescendentes, política vigente até 2024 destinada para promover o respeito, a proteção e a realização de direitos humanos e liberdades fundamentais dos povos afrodescendentes, promovendo a plena inclusão, combate ao racismo e discriminação racial, inclusive atuando junto à sociedade civil e atores relevantes no cenário internacional para “tomar medidas eficazes para a implementação do programa de atividades no espírito de reconhecimento, justiça e desenvolvimento”.
Retomo, aqui, com outros os dados para finalizar nossa análise: 17 pessoas são mortas por dia em ocorrências policiais, segundo o Fórum de Segurança Pública, e o mesmo órgão aponta que mais de 50% dos policiais mortos em ações também são negros, apesar de serem minoria no efetivo da polícia. Vivenciamos, portanto, uma “necropolítica” que escolhe vidas negras para serem dizimadas, em todas as esferas.
Essa coluna é um convite para você se questione sobre como tem sido sua atuação frente a este problema endêmico que assola nosso país e que traz mazelas profundas em esferas vinculadas à segurança pública, saúde, moradia, educação, alimentação, assistência social, entre tantas outras fundamentais à nossa existência enquanto nação. Quase um ano antes das eleições presidenciais, precisamos refletir na escolha política que fazemos, optando por dar voz àqueles que tenham como foco o combate à violência e ao racismo de forma séria e olhando para as estatísticas.
Reduzir a violência é melhorar nosso país em diversos aspectos. Fazer nossa parte para que jovens negros parem de morrer todos os dias é questão de humanidade. Kathlen não estava “no lugar errado, na hora errada”, sua morte não foi coincidência. Precisamos mudar os números através de escolhas mais conscientes.
#VidasNegrasImportam
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