Agosto Lilás abre o mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher e é preciso dizer que Iverson de Souza Araújo, conhecido como “DJ Ivis”, é um criminoso! E não somos nós dizendo, é a própria Lei! Justamente por isso ele foi preso e o pedido de soltura formulado por seus advogados ao Tribunal de Justiça do Ceará foi negado.
A agressão física é a manifestação mais evidente da violência doméstica e vem logo no primeiro inciso do Art. 7º da Lei Maria da Penha, que trata das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela deixa marcas não só no corpo, mas também desestabiliza a mulher em sua saúde mental, prejudicando o núcleo familiar em geral, principalmente quando há crianças e adolescentes.
Nesse contexto, não é à toa que o caso do DJ Ivis revoltou diversas pessoas na internet no último mês. Nos vídeos e imagens publicados em redes sociais, ele aparece agredindo severamente a mulher, Pamella Holanda, na frente de testemunhas e da própria filha, recém-nascida. A revolta surge não só da própria agressão sofrida pela mulher, como também da inércia de um homem, Charles Barbosa de Oliveira, que assistiu as agressões contra Pamella de forma silente, sendo conivente com a barbárie.
“Eu travei”, disse que amigo e funcionário do agressor. E é por falas como essa que precisamos debater constantemente na imprensa e mídias em geral de como a violência doméstica ocorre, a fim de que saibamos rapidamente como agir e o que fazer em casos como esse.
Aqui um primeiro alerta: não há justificativa alguma para a violência! O agressor de Pamella fez alguns vídeos em seu perfil no Instagram “contextualizando” as agressões e tentando falar que “é ele quem sofre com a mulher”, taxando-a de louca e estressada. Alega que chamou a polícia e o Conselho Tutelar, mas que “ninguém podia ajudar” e que “ninguém aguentaria” o que ele passou com ela.
Masculinidade frágil é, assim como feminismo e empoderamento feminino, uma pauta relevante para que possamos entender os contextos do machismo, do sexismo, da misoginia e da própria violência doméstica, entre outros fatores que afetam a existência segura e livre de mulheres em nossa sociedade com igualdade de oportunidades.
Mas precisamos, acima de tudo, no âmbito da violência doméstica, dar nome aos criminosos e cobrar respostas efetivas do Estado e da sociedade na proteção da mulher com direitos violados, de modo que podemos dividir as responsabilidades entre Estado e Sociedade, como passaremos a explicar abaixo de modo resumido.
Na parcela do Estado, cabe esclarecer que a ação penal que investiga e pune crimes de agressão física contra a mulher no ambiente doméstico é pública incondicionada, o que quer dizer que não precisa de uma notícia/denúncia formal da vítima para que o Estado – entendendo as vulnerabilidades e a necessidade de proteção especial da mulher na sociedade – inicie os procedimentos da persecução criminal, colhendo provas, ouvindo testemunhas, fazendo laudos técnicos e buscando reconstruir a verdade dos fatos para a efetiva punição do agressor e proteção da/s vítima/s. Ou, ainda que aberto o BO diretamente pela vítima na Delegacia, que tão logo recebida a notícia, o Estado já comece a investigar e agir dentro da normativa legal da Lei Maria da Penha.
Como operadores do Direito, é inevitável não pensar que “ainda bem” que ela conseguiu gravar e “ainda bem” que foi na frente de outras pessoas, porque a violência doméstica é um crime silencioso, restrito entre quatro paredes e comumente a palavra da vítima não é considerada perante o Sistema de Justiça.
Então, aqui, cabe um segundo alerta às mulheres para que não duvidem de sua capacidade de denunciar e buscar ajuda e proteção! Para que, sendo possível, colham provas contra o agressor quando verifiquem uma situação de violência, mesmo sabendo que, se não conseguir, o BO pode ser aberto porque a sua palavra tem especial relevância durante o processo, assim como mensagens de WhatsApp, fotos e possíveis testemunhas, ainda que familiares.
No Estado de São Paulo, como aqui em Araraquara, o BO pode ser feito pela internet ou na Delegacia mais próxima do local dos fatos, que normalmente é a residência da vítima, embora, ainda que se diga “doméstica”, a violência pode ocorrer em razão de vínculos afetivos da mulher em outros ambientes que não a casa.
Se você é vítima ou conhece alguém que seja, não hesite em buscar apoio, frente ao 190, quando a violência estiver acontecendo, ou 180, quando precise de outras informações tal como para onde se dirigir, o que também pode ser levado ao conhecimento do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, quando há crianças e adolescentes. É um procedimento que não precisa de advogado/a ou defensor/a: o importante é não se calar!
Um outro alerta: iniciada a investigação em casos como o de Pamella, que envolve agressão física, não é possível “retirar a queixa” e isso é importante para que a mulher, ainda submetida muitas vezes a um ambiente domiciliar agressivo e intimidador, assim como inserida em uma sociedade que julga mulheres vítimas de violência doméstica de forma coletiva, se sinta fortalecida durante o processo todo. É importante, também, para nós enquanto sociedade, uma vez que é preciso dar nome aos criminosos da Lei Maria da Penha, quebrando-se esse ciclo da violência, inclusive com uma adequada e proporcional aos fatos.
Outro ponto é a proteção da mulher durante a investigação e o processo. A Lei Maria da Penha possibilita que se peça medida protetiva, que pode ser o afastamento do lar e dos locais de convivência das partes, proibição de aproximação e/ou contato com a vítima, filhos, parentes e testemunhas, e mesmo a oferta de pensão alimentícia de forma provisória para a mulher, quando necessário, e aos filhos ainda dependentes. Nesse contexto ainda inicial, também pode ser visto se a vítima está com seus pertences pessoais ou se o agressor está de posse dos documentos pessoais da mulher e dos filhos, ou mesmo dos documentos dos bens do casal, pois pode ser requerido o bloqueio da venda destes bens, por exemplo.
Na parcela da Sociedade, houve um reflexo do caso do DJ Ivis que merece nossa atenção. A revolta de parte dos internautas se voltou contra o Instagram, que “permite” a manifestação do criminoso e não “derruba” sua conta. Em âmbito coletivo, precisamos garantir que a discussão ocorra de forma séria e eficaz, até mesmo garantindo o que chamamos de contraditório, que é o direito do agressor de se manifestar, se defender e apresentar sua versão. A liberdade de expressão encontra limites na guarda dos direitos humanos, mas é um elemento fundamental do Estado Democrático de Direito.
O que precisamos garantir, enquanto sociedade, é que a informação chegue a todos e todas, como chegou até Pamella quando decidiu não se falar, tornando acessíveis os direitos, deveres, responsabilidades, modos de proteção, punição ou mesmo a discussão sobre a necessidade de políticas públicas afirmativas e de segurança mais robustas. A violência doméstica, muitas vezes silenciosa, se manifesta sem que a vítima perceba e, silenciadas, as mulheres não conseguem agir por quaisquer que sejam os motivos, até, quiçá, por medo e dependência financeira e emocional do agressor. Daí a importância de se falar disso na mídia.
Todavia, estimular o linchamento do agressor, ainda que virtualmente, tal como a aplicação de uma punição pelas plataformas de redes sociais, reduz a discussão às esferas privadas, que são rasas e frágeis, ainda mais em um tema socialmente relevante como a violência doméstica. Tratar disso pelo viés da obrigacional por parte do Instagram, portanto, é diminuir até mesmo a responsabilidade do próprio agressor sobre sua conduta.
A cobrança social e coletiva precisa se voltar contra o Estado, o qual, por meio de seus agentes, deve garantir (i) a proteção da mulher e da família, no caso de filhos e outros parentes envolvidos, de forma rápida e plena, moral e materialmente falando; e (ii) que a punição ao agressor seja aplicada em tempo condizente com o tempo da investigação, com eficiência, tendo em vista que a impunidade gera um sentimento de revolta em todos e faz com que agressores continuem encontrando validação em suas atitudes violentas na ação desidiosa do Estado.
Não é dizer não ser justa a revolta contra o próprio agressor nas esferas privadas, pois há evidente necessidade de se fazer entender a gravidade da situação, inclusive buscando fazer com que marcas, patrocinadores, contratantes etc., igualmente se impliquem na solução deste problema endêmico que é a violência doméstica.
É preciso, pois, uma reflexão mais profunda sobre para qual esfera de poder vamos levar a discussão: se para a exclusivamente privada, de forma rasa, aceitando notas de repúdio ineficientes ou “cancelamentos virtuais” temporários, ou se para a esfera pública e coletiva, denunciando e tornando acessíveis as informações sobre os modos de atuação, direitos e prevenção da violência doméstica, como também requerendo o compromisso público de todos e todas no combate à violência doméstica, em especial do Poder Público, que precisa investigar e punir de forma célere, observando a integral proteção da mulher violentada.
Segundo o Atlas da Violência, administrado pelo IPEA, a cada 02 horas 01 mulher é morta no Brasil por conta da violência de gênero. Infelizmente Pamella foi mais uma vítima, mas casos como este são importantes para elevarmos o debate a níveis mais altos, a fim de que mais pessoas possam ser voz de mulheres silenciadas. FAÇA SUA PARTE. AJUDE. DENUNCIE!
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