O caso Thiago Brennand é um exemplo claro de como funciona o sistema de proteção da mulher no Brasil, a começar pela sensação de impunidade que ainda paira após ele ter sido solto, mesmo com o pedido de prisão decretado.
A Lei Maria da Penha é legislação de referência mundial, mas falta efetividade no seu cumprimento e as brechas da lei, em razão da ineficiência nas investigações, são evidentes, principalmente quando falamos de agressores com maior capacidade financeira.
Brennand saiu do país – fugiu, no bom português – e, segundo mostrou investigação recente exibida no programa Fantástico, pagou fiança e aguarda julgamento em um spa de luxo. Enquanto Brennand aproveita seu tempo na piscina, as vítimas sofrem as consequências dos abusos e travam verdadeira luta contra o sistema em busca de sua condenação.
O relato da modelo e estudante de medicina Stefanie Cohen, vítima que recentemente fez uma das acusações, mostra como essa ineficiência pode reverberar na vítima, seja pela questão do tempo, seja pela qualidade do tratamento que é dado ao caso, e alguns pontos do seu depoimento são importantes de tratarmos aqui.
Stefanie relata que começou a sentir nojo do próprio corpo, fez tratamento psiquiátrico e só teve coragem de falar após se sentir motivada pelo relato público de Helena Gomes, atriz que foi agredida por Brennand em uma academia, pensando como seu depoimento também seria favorável a outras vítimas de violência de gênero.
Ao leitor desavisado – que não é o caso do leitor do Araraquara News –, o surgimento de novas vítimas após a primeira denúncia pública pode causar certa estranheza. Isto porque o estereótipo misógino da “mulher vingativa” ainda é um fantasma que precisamos nos livrar.
É absolutamente comum que mulheres sintam medo de seguir com a denúncia pela desqualificação do seu relato, na Delegacia, no Fórum e mesmo perante a sociedade de forma geral, assim como ter receio de uma perseguição e/ou uma maior exposição ao agressor.
Embora na Justiça tenhamos um avanço da importância da palavra da vítima, mesmo que isolada em razão do modo de operação do crime de violência doméstica, comumente consumado sem testemunhas ou outras provas, o medo de ter seu depoimento esvaziado ou contestado ainda é constante nas vítimas. Daí a importância da mídia e da articulação coletiva na proteção da vítima e na punição do agressor.
A mídia pode ser uma importante aliada em várias etapas do processo, até mesmo antes da violência acontecer por meio da garantia do papel de informação à população a respeito do tema. O que é violência doméstica, tipos de violência, penas impostas, potenciais vítimas e principais agressores, características de relação abusiva, o que fazer no caso de conhecimento ou sofrimento de agressão, são exemplos de pautas que a mídia vem trabalhando e que, certamente, contribuem no combate à violência de gênero, inclusive a partir da mobilização da sociedade em prol das vítimas, como ocorreu durante o período de isolamento da pandemia com as denúncias por vizinhos, por exemplo. Saber o que é e por onde começar é um bom norte.
Já iniciada a situação de violência e assim como quando instaurado o processo, a mídia vem exercendo verdadeiro papel de canal de denúncia, que auxilia na garantia de eficiência na investigação e, posteriormente, na punição adequada dos agressores. Agressores que estão foragidos passam a ser identificados, assim como os que descumprem ordens de restrição ou mesmo os que, como Brennand, continuam vivendo sua vida luxuosa, embora devessem estar custodiados pelo Estado para responder por seus crimes. E aqui vale lembrar: violentar mulher no contexto da Lei Maria da Penha, ainda que não intencional e fisicamente, é, sim, ser um criminoso!
Importante, já finalizando nossa coluna deste mês, é reforçar que há algumas políticas públicas importantes na rede de proteção, como os Centros de Defesa e de Convivência da Mulher (CDCM) na Capital do Estado, que são serviços vinculados à Prefeitura para prestação de atendimento psicossocial e, também, de orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência doméstica e de vulnerabilidade social. Na Cidade de Araraquara, este atendimento é feito no Centro de Referência da Mulher, localizado na Avenida Espanha, nº. 536.
Estes programas oferecem condições para o fortalecimento da mulher, especialmente àquelas que foram vítimas de violência, a fim de que ela consiga não só se sentir segura durante o processo, mas também no acesso a outros direitos, como moradia, alimentação, trabalho, entre outros.
Assim, a mídia respeitosa e consciente por um viés de gênero, aliada a uma política pública eficiente e/ou uma sólida rede de apoio à mulher, são bases importantes para garantirmos a investigação e punição adequada do crime. Na esfera individual, auxilia na amplificação da voz destas mulheres, na formação de uma rede de sororidade e apoio, a qual reflete, na esfera coletiva, no avanço ao combate da violência contra mulheres no Brasil.
O combate à violência de gênero é estratégico, demanda articulação da mídia, e impõe que estejamos atentos ao machismo estrutural não só a partir da denúncia, mas antes mesmo da violência ocorrer garantindo acesso às informações de qualidade para a população de modo geral.
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