“Para muitos de vós, essa curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje, é uma aglomeração de horrores”, afirmou Graça Aranha em seu discurso de abertura da Semana de Arte Moderna, no Theatro Municipal de São Paulo, em fevereiro de 1922. O movimento, que completa seu centenário neste ano, acabou se tornando um marco não só para a cultura nacional como também para a história recente do Brasil. No entanto, é oportuno questionar o quanto a Semana de Arte Moderna contribuiu para uma produção cultural moderna e efetivamente brasileira.
Organizado por artistas e intelectuais, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Di Cavalcanti, o evento pretendia romper com o tradicionalismo cultural e com as correntes literárias vigentes - parnasianismo e o simbolismo. Contudo, as propostas apresentadas não eram originais e, muito menos, inéditas.
Conforme mostrou Ruy Castro no livro “As vozes da metrópole: uma antologia do Rio dos anos 20”, os poemas com verso livre e sem rimas - tidos como inovações dos modernistas - eram usados desde 1910 por poetas como Mario Pederneiras e, posteriormente, por Manuel Bandeira.
A prosa escrita em estilo telegráfico, constantemente associada à Oswald de Andrade, era uma singularidade das crônicas de Orestes Barbosa. E o fluxo de consciência, cuja criação é sempre atribuída a Mário de Andrade, já estava presente nos contos de Adelino Magalhães.
Além disso, nomes importantes que despontavam no cenário cultural brasileiro e faziam arte estritamente brasileira e moderna - como Sinhô, Donga, Ernesto Nazareth, Vicente do Rego Monteiro, Ismael Nery e Pixinguinha - passaram despercebidos pelos modernistas, que focaram nos “quatrocentões” paulistas.
Decerto a Semana de Arte Moderna teve sua contribuição para a cultura brasileira, contudo, o movimento não contou com engajamento popular. O povo estava, em suma, alheio ao que ocorria, de modo que o movimento foi realizado pela elite para a própria elite.
O nacionalismo exacerbado dos artistas acabou servindo para legitimar o Estado Novo, contudo. Getúlio Vargas cooptou o movimento e destruiu sua essência a fim de idealizar seu movimento anti-política que flertava com o fascismo.
Portanto, através de um revisionismo histórico (considerando a conotação conceitualmente positiva da palavra), é clarividente que a Semana de Arte Moderna nada mais foi que uma ação entre playboys diletantes amigos, como afirmou Castro em certa ocasião.
Sendo assim, não fica difícil concluir que o caráter vanguardista do movimento não passou de mera utopia, afinal de nada adianta uma arte moderna em uma sociedade profundamente desigual. E, mais grave ainda, passado um século, o país continua nesse mesmo ciclo: procura a modernidade pela arte enquanto mantém a desigualdade social em voga.
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