“Não é bom que o homem esteja só”, disse Deus logo após criar Adão. Imaginou, talvez, que a companhia da natureza e dos animais não fossem suficientes para satisfazer uma de suas obras. Resolveu então fazer Eva na expectativa de que homem e mulher se juntassem para se tornar uma só carne. Feita a vontade de Deus, anos se passaram e a Terra foi enxameada de bípedes.
No início, pequenos atritos se davam entre bichos e seres humanos. Eram situações contornáveis, passageiras e de pouca importância, até o dia em que um homem matou seu próprio irmão.
O crime fez com que o mundo deixasse de ser o mesmo. Foi como se um manto negro cobrisse a Terra, tapando o sol e o brilho das estrelas. Todas as criaturas passaram a ser mais agressivas e inescrupulosas, e a morte se tornou moeda legítima num mercado sórdido.
O homem desenvolveu dentro de si a ganância e a inveja. Começou por explorar a natureza imóvel, os animais e, por fim, seus semelhantes, criando uma segregação despropositada entre os sexos.
Relegadas a submissão durante muitas eras, as mulheres resolveram dar um basta na própria situação. Uniram-se, levantaram a voz e gritaram ao mundo as injustiças que sofriam. Em retaliação, sofreram mais agressões, mortes e estupros.
Os homens criavam campos imaginários e lutavam corpo a corpo com outros homens no intuito de mudar as linhas que delimitavam um espaço fictício. Guerras, pestes e desastres ceifavam a vida de muita gente como se fossem uma prévia da ira de Deus no Juízo Final.
Passados bilhões de anos, o mundo se transformou num antro de ódio, ganância e difamação. Os rios por onde antes corriam águas cristalinas deram lugar a um imenso licor preto, que carrega sem constrangimento garrafas pet, sacolas, enxofre, chumbo e ácido.
As árvores viraram cinzas e a fauna do planeta se recolheu, deixando apenas o vazio e o silêncio.
Hoje, sirenes, buzinas e alarmes abafam a voz dos inconformados. Os profetas estão cegos, os músicos mudos e os poetas mortos.
No alto do Céu, cercado pelos vinte e quatro anciãos e sentado num trono de onde saem raios e trovões, Deus acompanha cada movimento de sua criação e constantemente exclama: “Ah, como seria bom se, desde o início, o homem estivesse só!”.
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