Inauguramos o 2023 da nossa coluna aqui no Araraquara News com um tema relevante para as famílias brasileiras: a curatela de pessoas idosas, conhecida também como interdição.
Com o avanço da medicina, a expectativa de vida da população brasileira subiu para 77 anos, segundo dados apresentados em 2022 pelo IBGE, de modo que tem se tornado comum que as famílias busquem apoio jurídico para regularizar a administração dos bens de pessoas idosas que não possuem mais condições de saúde, físicas e psíquicas, para realizar atos da vida civil sozinhas.
Nesta coluna, trataremos das situações mais graves, àquelas em que as pessoas idosas passam a não conseguir gerir seu patrimônio pela absoluta falta de compreensão da realidade, suscetíveis a golpes, por exemplo, tal como em um estado avançado de Mal de Alzheimer ou mesmo um estado de coma, necessitando de apoio de seus familiares para a sua proteção.
Do Artigo 1º do Código Civil se extrai que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. A ideia de personalidade para a Legislação brasileira é universal, consagrada pelos direitos à vida, liberdade e igualdade, todos constitucionalmente protegidos. Todavia, esta capacidade civil pode sofrer restrições legais em diferentes níveis de intervenção.
Uma alteração trazida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência à Legislação Civil dispõe que “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade” devem ser consideradas relativamente incapazes, extinguindo-se a antiga incapacidade absoluta. Ou seja, fazendo com que aqueles que não puderem exprimir sua vontade sejam devidamente assistidos nas tomadas de decisão e atos de gerência, dando-se preferência a intervenções menos drásticas.
Assim, esta alteração legislativa chama atenção ao fato de que a incapacidade relativa precisa ser avaliada sempre dentro do contexto de realidade da pessoa que será beneficiada com o apoio de um terceiro, a pessoa idosa incapaz, no exemplo aqui deste texto, não se presumindo sua incapacidade absoluta para os atos da vida civil.
Nessa linha, o Código Civil trata dos institutos da interdição e da curatela para os casos em que a pessoa se encontrar absolutamente impossibilitada de exprimir sua vontade, nomeando-se sempre um curador para responder por si, hipótese em que o juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa beneficiada a ser protegida, os limites da curatela, indicando seu curador. Importante deixar claro que a medida da curatela é sempre extraordinária e excepcional dentro do contexto da nova legislação protetiva de pessoas vulneráveis, de modo que, se a causa da incapacidade for transitória, assim também será a curatela. Tal medida, portanto, deve ser motivada e preservar os interesses da pessoa curatelada, fixando claramente os limites para a atuação do curador.
A dúvida que surge é: como atuará esse curador depois? Quem será esse curador?
As ações de curatela são promovidas preferencialmente por cônjuges ou companheiros, que também terão preferência para responder pelo cargo de curadores, seguidos por outros parentes, como filhos, irmãos, primos, tios, sobrinhos, ou mesmo pelo representante de eventual entidade onde a pessoa idosa estiver abrigada ou mesmo pelo membro do Ministério Público, sempre em atenção à necessidade de proteção.
No pedido de interdição deve conter os fatos que vão demonstrar a alegada incapacidade da pessoa idosa de gerir seu patrimônio, inclusive lastreado em laudo médico ou com adequada justificativa de não poder fazê-lo no momento. Ato contínuo, apresentados os argumentos e documentos que justifiquem o pedido, a pessoa que está sendo curatelada, será citada para responder. Esta medida evita qualquer possibilidade de fraude do instituto. Ou seja, se a pessoa tiver capacidade para os atos da vida civil, poderá apresentar sua defesa, impedindo a curatela e até mesmo, em alguns casos, poderá o autor da ação responder por má-fé nos termos da Lei.
E o cuidado do legislador neste assunto pode ser observado pelas sucessivas possibilidades de se evitar a fraude, tal como a citação por oficial de justiça, que poderá descrever o estado da pessoa no momento do recebimento da citação, e também seguindo-se com a realização de uma perícia técnica para averiguar o estado de saúde da pessoa idosa. Não bastam, assim, documentos e laudos médicos ofertados pelas partes, mas também uma perícia designada pelo juiz para aferição da capacidade e de seus limites.
Esse curador, uma vez nomeado, ainda que em uma decisão liminar (antes da perícia, por exemplo), vai passar a gerir o patrimônio, ativos e passivos, da pessoa curatelada dentro dos limites estabelecidos pelo juiz, compromissando-se a realizar a devida prestação de contas também dentro do prazo estabelecido pelo Judiciário, no máximo a cada dois anos, podendo ser em menor período.
Esta prestação de contas será feita de forma autônoma, em outro processo perante o mesmo juiz, com minuciosa análise dos gastos e de todas as contas bancárias, benefícios sociais e previdenciários, ativos e passivos, devendo o curador apresentar neste momento o controle e as notas fiscais correspondentes a todos os custos de vida da pessoa idosa, sendo o processo acompanhado pelo Ministério Público, que terá função primordial de preservar os interesses do incapaz, observando-se a conduta do curador.
Dito isso, é importante que o curador seja pessoa idônea, que conheça e acompanhe de perto a rotina da pessoa idosa, principalmente para que saiba suas necessidades e tenha zelo na preservação de seus direitos e interesses, respondendo por seu bem-estar físico, mental e patrimonial, dentro dos limites da curatela. Portanto, a palavra-chave para guiar toda a questão da curatela é proteção da pessoa idosa incapaz: só se interdita quem precisa ser protegido, só é curador quem consegue proteger, observadas as regras gerais acima explicadas.
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