Neste ano, as comemorações dos 57 anos do golpe militar de 1964 começaram cedo. Na véspera do dia 31 de março, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, publicou uma ordem do dia alusiva ao golpe, afirmando que durante a Guerra Fria havia “ameaça real à paz e à democracia'' brasileiras. E ainda acrescentou que as “Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”.
Embora pífio e inconsistente, o argumento de Braga Netto serviu como munição e incentivo para aqueles que defendem uma “intervenção militar com Bolsonaro no poder”. Na quarta-feira (31), atos pró-golpe foram registrados em diversas capitais do país.
A manifestação mais inusitada, talvez, tenha sido em São Paulo. A Marcha da Família Cristã pela Liberdade promoveu um protesto um tanto quanto paradoxal: concentrou-se em frente à paróquia Imaculada Conceição para exigir um regime político que veda justamente a liberdade. Mais bizarro ainda é o fato de serem cristãos que defendem um sistema no qual a tortura e o assassinato eram práticas legítimas.
Para os membros da Marcha da Família Cristã pela Liberdade, entretanto, a violência seria justificável em situações extraordinárias, em especial contra infratores e arruaceiros. Contudo, eles se esquecem que Jesus - que é a segunda pessoa da Santíssima Trindade, sendo, portanto, o próprio Deus para os cristãos - desrespeitava leis, como a santificação do sábado.
Ademais, Jesus também se comportou como arruaceiro, quando “viu alguns vendendo bois, ovelhas e pombas, e outros assentados diante de mesas, trocando dinheiro" (João 2:14) no pátio do templo de Jerusalém e "fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas e virou as suas mesas" (João 2:15). Mereceria, então, Jesus a tortura?
No Horto das Oliveiras, quando os oficiais de Caifás prendiam Jesus, Pedro “puxou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha'' (Marcos 14:47). Mereceria, então, o primeiro papa da Igreja Católica ser submetido à tortura por ter ferido um soldado?
Os judeus diziam ainda que Jesus era um agitador popular, que ameaçava a paz e o reinado de Herodes. Seria esta a razão para soldados assumirem a responsabilidade de pacificar o reino, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo?
Certamente, os membros da Marcha da Família Cristã pela Liberdade responderão com uma contundente negativa a todos estes questionamentos. No entanto, ao organizarem um ato em prol de um regime que perseguiu, violentou e matou muita gente, eles agem em consonância com aqueles que gritavam para que Jesus fosse crucificado.
Curioso, entretanto, é que fazem isso justamente às vésperas da celebração da memória da paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
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