Recentemente foi ao ar no programa Fantástico uma reportagem a respeito do sequestro de uma menina de 12 anos que foi levada de Sepetiba, no Rio de Janeiro, para São Luís, no Maranhão, por um adulto de 25 anos com quem a jovem conversava nas redes sociais nos últimos dois anos.
O caso terminou após um pedido de socorro da criança à irmã pelas redes sociais, deflagrando situação de cárcere privado e de estupro de vulnerável, pois, muito embora não tenha ocorrido conjunção carnal, a prática de atos libidinosos com crianças abaixo de 14 anos é vedada em nosso ordenamento jurídico ante a ausência de consentimento possível por parte da vítima, configurando-se o crime de estupro de vulnerável.
Por si só, a participação de crianças e adolescentes em redes sociais pode não ser um risco efetivo para a ocorrência de crimes praticados contra este público, mas, quando não há supervisão, abre-se a oportunidade para a ocorrência de violações graves de direitos - até mesmo praticadas pelos pais e/ou responsáveis - e os potenciais riscos podem se tornar reais, abrindo margem para o que houve com a jovem de Sepetiba.
Aos pais, cabe um alerta: é dever da família, em conjunto com o Estado e a sociedade, zelar pelos direitos infanto-juvenis com prioridade absoluta e de forma integral. Neste rol de direitos preservados, estão o direito à privacidade, com “respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada” (ECA, Art. 100, inc. V), assim como o direito ao respeito (ECA, Art. 17), garantindo-se a integridade física, psíquica e moral, com preservação da imagem e da identidade desta criança. Em alguns casos, podem os pais responder por violação destes direitos, inclusive nos casos de um excesso de informações compartilhadas, conhecido como “overposting”, ou mesmo quando, a falta de controle da atividade virtual, ocasionar crimes contra crianças e adolescente sob sua responsabilidade, desde o cyberbullying até os crimes de natureza sexual, tal como a pornografia infantil, como vem sendo mostrado na novela Travessia.
Nesse sentido, o abandono digital ou virtual, como é conhecido, ocasionado pela negligência no controle e ausência de supervisão de pais e responsáveis do uso da internet em relação às crianças e adolescentes, pode configurar uma violação de direito passível de intervenção administrativa e judicial pela rede de proteção infantil.
Ademais, é necessário que esta supervisão seja ativa e constante, assim como, principalmente nos casos em que a criança ou adolescente já possui idade para compreender os limites de uso da internet, baseada em diálogo e informação.
Na reportagem veiculada na Globo, as plataformas de redes sociais informaram que a idade mínima para criação de contas de crianças e adolescentes seria de 13 anos o que, à luz da legislação brasileira, não quer dizer muita coisa. Essa idade é decorrente de uma normativa de privacidade online dos Estados Unidos (CCPA) e importada ao Brasil. Aqui, o ECA estabelece que, a partir dos 12 anos completos, a criança se torna adolescente, mas ainda assim mantém uma incapacidade absoluta para os atos da vida civil até os 16 anos, quando tornam-se relativamente incapazes, nos termos do Código Civil.
Embora tenham algumas ferramentas de controle de pais e responsáveis, tal como conexão entre as contas para supervisão e a impossibilidade de envio de mensagens de adultos desconhecidos do círculo de amizade virtual para contas de crianças e adolescentes, nos parece que há uma lacuna que permite o acesso de pessoas desconhecidas aos círculos virtuais de crianças e adolescentes, por redes sociais e mesmo jogos online, ainda mais no caso de adolescentes, que acabam utilizando as redes sociais sem maior controle e por mais tempo.
A Lei n. 12.965/2014, conhecida como “Marco Civil da Internet”, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no país, dispõe que o usuário da internet terá livre escolha na utilização de programas de computador em seu terminal para exercício do controle parental, podendo excluir conteúdos impróprios que assim entender. Da mesma forma, estabelece a legislação que ao Poder Público, juntamente com os provedores de internet e a sociedade civil, caberia o dever de “promover a educação e fornecer informações sobre o uso dos programas de computador previstos no caput, bem como para a definição de boas práticas para a inclusão digital de crianças e adolescentes”.
Além do monitoramento constante, dos aplicativos, dos conteúdos e das pessoas com quem os filhos interagem (ou mesmo de quem são os seguidores, por exemplo, em se tratando de redes sociais), assim como a possibilidade de imposição de limites de horários e tempo máximo para acesso, os pais devem garantir o acesso à informação sobre os termos de uso da Internet e orientar seus filhos a deixar o perfil pessoal privado, não fornecer informações e dados pessoais, tal como onde mora, nome dos pais, documentos, lugares que frequenta, a não falar com pessoas que não conhecem pessoalmente, não divulgar fotos e a intimidade de forma desregrada, não seguir páginas inapropriadas com conteúdo pornográfico, agressivo, impróprio para cada idade, entre outras medidas.
Importante lembrar: as medidas de prevenção, muitas vezes, podem ser insuficientes quando tratadas somente no mundo virtual, sem trazer ao real e ao concreto. Por exemplo, caso seja averiguada alguma irregularidade e o crime ocorra, os pais devem agir imediatamente com as denúncias dos agressores, com prints das mensagens e outras informações possíveis, a fim de embasar o Boletim de Ocorrência, pois isso pode salvar não só a vida do seu filho e da sua filha, mas de outras crianças e adolescentes que podem estar expostas ao mesmo agressor. Do mesmo modo, é possível realizar denúncias através do Disque 100 e no site da organização SaferNet Brasil, uma instituição que conta com parcerias, públicas e privadas, para recebimento de denúncias com foco na promoção e defesa dos direitos humanos na Internet.
As reportagens constantes a respeito do tema são apenas reflexo dos números estatísticos. No segundo semestre de 2022, o Disque 100 recebeu mais de 73 mil denúncias de violações de direitos contra crianças e adolescentes, sendo que este grupo vulnerável foi o segundo no número de denúncias abaixo apenas das mulheres, sendo mais de 1.600 denúncias e quase 5.700 violações constatadas no ambiente virtual. Daí a necessidade de aumentarmos a mobilização da sociedade civil e o conhecimento por parte de pais e responsáveis a respeito do tema, engajando também crianças e adolescentes na proteção digital, com garantia de informação e com segurança, dada a sua natural vulnerabilidade decorrente de cada idade.
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