Há exatos 100 anos, o mundo ocidental experimentava - de maneira involuntária, diga-se - uma efervescência cultural que ficou conhecida como “os loucos anos 20” (Roaring Twenties, no termo original). Nova York, Londres, Paris, Berlim, entre outras capitais e grandes cidades se tornaram pólos do desenvolvimento de novos costumes e paradigmas, que acabaram se refletindo na moda e nas artes.
Nomes como o de Robert Wiene e da dupla Salvador Dalí e Luís Buñel despontaram por seus filmes “O gabinete do Dr. Caligari” e “Um cão andaluz”, respectivamente. Na música, Louis Armstrong foi considerado “a personificação do jazz”. Os clubes de dança, tão populares naquele momento, vivenciaram o frenesi do Charleston. E a Arte Déco na arquitetura fez algo até então inusitado: lançou mão de formas geométricas, ornamentos e design abstrato para se distanciar da estética padrão. Essas características foram tão bem aceitas que influenciaram outros segmentos artísticos, como moda, cinema e artes plásticas.
Paris, por sua vez, passou a ser considerada a “capital da moda”, onde Coco Chanel lançou suas tendências e entrou para a história como a única estilista a integrar a lista das cem pessoas mais importantes da história do século XX da revista Time.
Na literatura, o mundo foi presenteado com a “Geração perdida” - grupo que inclui grandes nomes, como Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Ezra Pound, T. S. Eliot, entre outros - que, através de suas obras, escondiam, sob a temática do cotidiano, sua insatisfação com a Primeira Guerra e os rumos que o mundo tomava.
Passado um século, no entanto, o mundo revive angústias semelhantes às do passado. Enquanto em 1921 o mundo saia de uma guerra mundial e da trágica gripe espanhola, em 2021, contabilizamos um total de mortes pelo novo coronavírus superior a 4 milhões de pessoas em todo o mundo - 577 mil somente no Brasil no momento que escrevo este texto.
Para mais, não vivenciamos uma guerra de proporções mundiais. Contudo, há vários conflitos armados localizados, sobretudo no oriente médio. As duas maiores potências globais (China e EUA) protagonizaram há pouco uma Guerra Fria 2.0 e, no último dia 9 de agosto, a ONU emitiu um alerta vermelho mundial sobre o clima.
À vista disso, quando olhamos ao redor à procura de alguma efervescência cultural, não é possível perceber nenhum movimento se aflorando. O mainstreaming transformou a arte em entretenimento inócuo e o que restou da essência artística foram produções para nichos específicos. Não existe, portanto, uma estética padrão que contenha aspectos semelhantes nos diferentes tipos de obras. A literatura contemporânea não tem conversado com a música, que, por sua vez, não dialoga com as artes plásticas, et cetera.
Espera-se, contudo, que, assim como ocorreu na década de 1920, a efervescência cultural se apresente como a calmaria depois da tempestade. À nós, resta apenas esperar e torcer para que uma eventual afloração cultural se distancie o máximo possível do que temos no mainstreaming atualmente.
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