Você sabia que a Lei Maria da Penha (LMP) prevê que, nos casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, o Juiz pode aplicar algumas medidas protetivas para afastar o agressor do lar, proibir que ele se aproxime da vítima, de seus familiares e testemunhas, bem como faça contato por qualquer meio de comunicação, inclusive por terceiros?
É o que diz o Art. 22 dessa lei, que pode impor, também, outras medidas de proteção emergencial, como a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso, restrição ou suspensão de visitas dos filhos menores, a prestação de pensão alimentícia de forma provisória, ou mesmo exigir a frequência do agressor em grupos terapêuticos e acompanhamento psicossocial.
Essas medidas buscam proteger a integridade física e psíquica de mulheres e eventuais filhos, também sendo válidas para relacionamentos homoafetivos entre mulheres ou em proteção às mulheres trans. Aqui vale um parêntese: muito recentemente, no início de abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou entendimento que já vinha sendo aplicável nos Tribunais brasileiros no sentido de que a proteção da Lei Maria da Penha abrange mulheres trans, justamente pela vulnerabilidade decorrente do gênero com que a pessoa se identifica e não do sexo biológico. Sobre o tema, fica a dica de voltar algumas colunas aqui no Araraquara News e ver o que escrevemos sobre a importância do nome social para a população T.
Voltando ao afastamento do agressor do lar comum, em 2019 tivemos uma importante alteração na LMP passando a permitir que, nos casos de violência física ou psicológica contra mulheres, a Autoridade de Polícia local autorizasse o afastamento do lar quando o Município onde houve a prática do crime não tenha juiz/juíza responsável na cidade. Ou seja, de acordo com a alteração legislativa, em casos de urgência justificável e de impossibilidade de acessar o Judiciário, pode a Autoridade Policial local decidir sobre a retirada do agressor do domicílio comum do casal e/ou da família.
No entanto, uma ação movida pela Associação Brasileira de Magistrados (a Ação Direta de Inconstitucionalidade/ADI n. 6138), contestava essa possibilidade afirmando, resumidamente, que tal alteração na Lei Maria da Penha era inconstitucional, pois seria ato privativo do Judiciário a determinação de afastamento do agressor do lar, respeitando-se a ordem processual vigente. É a chamada “reserva de jurisdição”.
Essa ação foi julgada no último dia 23/03/2022 pelo STF, sendo tema da nossa coluna de abril justamente pela relevância que ela possui no combate à violência de gênero em nosso país: uma verdadeira epidemia oculta. Entendeu-se que a regra de que os pedidos de afastamento do agressor do lar deveriam ser feitos exclusivamente no Judiciário pode e deve ser flexibilizada nos casos em que o acesso a este órgão é demasiadamente dificultoso, considerando a necessidade de se garantir a efetividade das políticas públicas protetivas às mulheres a partir de atitudes preventivas ou repressivas para dar acolhimento, segurança e proteção às vítimas de violência doméstica, bem como para a devida e adequada punição dos agressores.
Lembre-se que o Brasil possui índices altíssimos de feminicídio, como mostrou recentemente publicação do Fórum de Segurança Pública sobre o assunto, apontando-se que, somente em 2021, tivemos uma média de 01 mulher morta por feminicídio a cada 7 horas e 01 mulher vítima de estupro a cada 10 minutos. Considerando que os casos computados nas estatísticas são somente aqueles que chegaram até as autoridades policiais, que foram lavrados boletins de ocorrência, podemos imaginar que eles são muito maiores, até mesmo pela modalidade do crime e do modo com que se opera: normalmente dentro da residência e sem testemunhas.
Embora o Estado de São Paulo esteja abaixo da média nacional, há Estados brasileiros em que os índices foram bem superiores, como é o caso de Tocantins, Piauí, Acre, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Dessa forma, é um tema que precisa ser amplamente difundido entre a população, principalmente entre as mulheres, para que saibam seus direitos e de como buscar ajuda, bem como discutido frente às Autoridades Públicas para que as leis não sejam letra morta, considerando sua gravidade não só aos indivíduos, como para toda a sociedade na busca da pacificação social.
Assim, o recente julgamento do STF é de suma importância no combate da violência doméstica, tendo em vista que a medida protetiva conferida direto na Delegacia em casos de urgência e quando não se tem Fórum por perto, garante a imediata segurança da mulher e da família de forma geral. É fundamental, portanto, para que mudemos os números alarmantes de violência física, psicológica, moral, sexual e financeira praticada contra mulheres dentro de casa!
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