Quando olhamos para os aspectos jurídicos das questões de gênero precisamos necessariamente lembrar que estava vigente, até pouco tempo, o chamado ‘Estatuto da Mulher Casada’, que previa uma série de obrigações e limitações sexistas às mulheres, tal como que o era o marido o “chefe da sociedade conjugal”, sendo ele o detentor do poder familiar em relação aos filhos comuns, funções que exercia apenas “com a colaboração da mulher”. Por exemplo, em uma época que ainda se discutia culpa nos casos de divórcio, quando ela advinha de ambos os cônjuges, os filhos ficariam com as mães salvo se o juiz verificasse que poderia “advir prejuízo de ordem moral” para as crianças.
Dentro do pacto social da sociedade de antigamente, ainda vigorava o chamado “débito conjugal”, que estabelecia o dever de um cônjuge de ceder seu corpo à satisfação sexual do outro, o que comumente servia aos homens para obrigarem suas esposas a praticarem sexo de forma obrigatória.
Infelizmente ainda hoje vemos que há uma cultura na nossa sociedade que muitas vezes nos remete à ordem vigente do Estatuto da Mulher Casada, que “obriga” que as mulheres se mantenham silentes e submetidas a uma série de violências, não só físicas, patrimoniais etc., mas até mesmo de ordem psicológica e moral, que são mais difíceis de serem identificadas e provadas, protagonizadas muitas vezes por maridos ou outros familiares próximos.
Permanecer infeliz no casamento e suportar situações de violência não pode mais ser a realidade e a pergunta que fica é: o que devo saber e fazer para romper o ciclo de violência? É o que nossa coluna aqui no Araraquara News se propõe a fazer, fornecendo informações facilitadas sobre alguns temas do Direito, a fim de desmistificar estes temas em nossa sociedade.
Sobre o tema proposto nesta coluna de junho, necessário esclarecemos que o sexo não é mais uma obrigação decorrente do casamento, de modo que qualquer relação conjugal, ainda que entre cônjuges, depende do consentimento do outro. Veja:
O Art. 1.566 do Código Civil estabelece alguns deveres entre os cônjuges no casamento, estando entre eles a fidelidade e o dever da vida em comum, por exemplo, do qual decorreria a obrigatoriedade de coabitação e da satisfação sexual, segundo uma parte dos juristas. No entanto, são também deveres do casamento o respeito e a consideração, de modo que não se pode admitir, em pleno 2022, que haja obrigatoriedade da prática sexual por qualquer dos cônjuges, nem tampouco a obrigação de viverem sob o mesmo teto.
A ausência de sexo, por si só, não gera tampouco a anulação do casamento pelas regras de Direito Civil. Analisando os entendimentos dos Tribunais até pouco tempo, é possível vermos que a abstinência sexual poderia levar à anulação do casamento, sendo considerado um motivo justo para o divórcio. Contudo, ainda que a atividade sexual seja esperada e até desejada por ambos os cônjuges em uma relação amorosa, não há propriamente um dever. É preciso concordância e, se não há clima para um sexo saudável, desejado e consentido, fato é que não há mais motivos para permanecerem casados, sem que discutamos culpa, dever ou qualquer obrigação de parte a parte pela falta da prática sexual.
É fato que as leis precisam acompanhar os avanços da sociedade, principalmente na quebra de padrões discriminatórios de qualquer minoria social, tal como as mulheres. Entender, portanto, que o dever de praticar sexo é inerente ao casamento para as mulheres, como antigamente se entendia como aceitável, seria fomentar a cultura do estupro, ferindo a liberdade sexual feminina, e uma afronta direta a direitos fundamentais destas mulheres abarcados pela nossa Constituição Federal.
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