No próximo dia 11 de outubro, um dia antes Dia das Crianças, comemoramos o Dia Internacional da Menina, criado em 2010 pela ONU para evidenciar desigualdade de gênero também durante a infância e adolescência. Aproveitando a temática de gênero, questiono, de início: você já ouviu falar desses termos: “pobreza menstrual”, “dignidade íntima” ou “dignidade menstrual”, “higiene menstrual”, “igualdade menstrual”, “educação para menstruação” “absorvente para todes”?
Eu, mesmo me identificando como mulher e atenta às questões de gênero, preciso dizer que foi só recentemente que comecei a entender sobre o assunto e ver que menstruar de forma segura e limpa não é um direito de todas as mulheres e meninas no Brasil, sendo ainda mais vulneráveis os homens trans e pessoas não binárias que, segundo relatório produzido pelo UNICEF em 2019 são indivíduos que “frequentemente enfrentam discriminação devido à sua identidade de gênero que os impede de acessar os materiais e instalações de que precisam” (tradução livre), inclusive ginecologistas.
Segundo outro relatório do UNICEF, voltado especificamente à dignidade menstrual, “ter acesso rápido a banheiros adequados para trocar o produto menstrual utilizado para absorção do fluxo; um local para descarte dos produtos menstruais usados; sabão e água, de preferência encanada, para higiene das mãos e corpo” são requisitos fundamentais para o manejo saudável da menstruação, sob pena de restrições à saúde, mobilidade e dignidade das pessoas afetadas. Todavia, no Brasil, o levantamento indica que mais de 1 milhão de meninas não têm sequer papel higiênico nas escolas em que estudam.
Igualmente, dados destacados pela Agência Senado pela Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, apontam que “das meninas entre 10 e 19 anos que deixaram de fazer alguma atividade (estudar, realizar afazeres domésticos, trabalhar ou até mesmo brincar) por problemas de saúde nos 14 dias anteriores à data da pesquisa, 2,88% delas deixaram de fazê-la por problemas menstruais. Para efeitos de comparação, o índice de meninas que relataram não ter conseguido realizar alguma de suas atividades por gravidez e parto foi menor: 2,55%”.
Nesse sentido, podemos dizer que falta de condições de higiene adequadas e absorventes afeta, ainda que de forma indireta, o rendimento e a evasão escolar de meninas, pois uma entre cada quatro estudantes já deixou de ir à escola por falta de absorvente no Brasil, o que certamente vai refletir mais à frente na vida profissional destas meninas, além de desgastes emocionais identificados na pesquisa realizada pelo UNICEF sobre o tema.
Assim, mesmo sendo a menstruação algo certo e natural, é chocante pensar que o acesso ao absorvente não é fácil para muitas mulheres e meninas, que se utilizam de jornal, folhas de árvores, miolos de pão, farrapos de panos ou outros produtos para conter o fluxo menstrual e conseguir manter as atividades regulares neste período.
Após muito advocacy de Instituições, tais como movimento Girl UP, Menstrual Hygiene Day, Herself, ou mesmo a própria ONU, além de pessoas públicas como a apresentadora Rafa Brites, recentemente essa discussão veio à tona e chegou ao Legislativo através de uma iniciativa popular. Ou seja, é um projeto que nasceu de uma demanda coletiva, protagonizada por mulheres, em busca de seus direitos!
O Projeto de Lei n. 4.968/2018, que prevê a entrega gratuita de absorventes na cesta básica e até mesmo em escolas públicas – considerando que 62% das pessoas jovens que menstruam relataram terem deixado de ir à escola ou outros lugares ou sofreram constrangimento público (UNICEF) –, gerou muito debate, fomentando iniciativas públicas e privadas sobre o tema, e foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, como já havia sido noticiado no Araraquara News.
Ocorre que o Projeto de Lei foi recentemente vetado pelo chefe do Executivo, o presidente Bolsonaro, afetando diretamente direitos de mulheres, meninas e homens trans, como explicado. A justificativa foi a falta de verba pública, em que pese essa discussão já estivesse superada tendo em vista a previsão orçamentária possível perante o SUS e o Fundo Nacional Penitenciário, já que a falta de absorventes é, também, uma constante para mulheres presas, como abordado por Nina Queiroz em seu livro “Presos que Menstruam”.
Diferentes iniciativas se deram em outros Estados, como em São Paulo, e mesmo em esferas municipais como na Capital e na Cidade de Araraquara, através de uma iniciativa das Vereadoras Fabi Virgílio e Thainara Faria (PL n. 140/2021) em prol da Dignidade Menstrual, a qual foi arquivada em julho deste ano para mudanças no texto do projeto de lei.
É inevitável: toda mulher se lembra de quando começou a menstruar e de como o assunto ainda é pouco abordado. Podemos afirmar que são privilegiadas aquelas que tiveram informação acessível, clara e objetiva antes da menarca, em casa ou mesmo na escola, no postinho... É justamente esse o cenário que discussões como a presente buscam mudar, fazendo com que as meninas passem a ter, durante a infância e adolescência, acesso à ampla informação destinada para elas, fazendo com que a menarca e os períodos de menstruação habituais passem a ser mais conscientes e menos dolorosos, com menos tabus e menos medo.
Igualmente, o acesso à informação é importante também para homens e meninos, tendo em vista que o assunto é permeado ainda por muito medo e vergonha em razão da prática de bullying, além de assédios. Giulia Dias da Cunha, em seu trabalho “Pobreza Menstrual no Brasil: O direito à higiene menstrual e as barreiras para sua efetivação” (2020), nos conta sobre as evidências apontadas pela literatura, mostrando que “o maior obstáculo da menstruação não é porque fisiologicamente deixa pessoas que menstruam incapazes (...), mas porque as deixam socialmente vulneráveis” e isso está diretamente relacionado ao desconhecimento masculino sobre o tema. É, portanto, um tema cujo debate se dá independentemente de gênero!
Além do conhecimento, é preciso garantir o acesso material ao absorvente, tampões íntimos, calcinhas absorventes reutilizáveis, como os feitos de pano apropriado, e mesmo coletores menstruais, descartáveis ou não, a fim de preservar direitos de mulheres, meninas, homens trans e outras pessoas que menstruam, inclusive pelo aspecto de saúde mental, considerando que o UNICEF relata que mais de 4 mil pessoas que menstruam já deixaram de realizar atividades em razão desta questão.
Com a presente coluna, buscamos ampliar o debate sobre a pobreza menstrual, reforçando que não é uma discussão afeta somente às pessoas que possuem útero e que menstruam, mas sim a toda coletividade, uma vez que há aspectos de saúde pública, educação, proteção ambiental, diversidade e inclusão no mercado de trabalho, igualdade de gênero, entre outros.
Se você está lendo de Araraquara, esta é uma oportunidade para somar o debate para que o Projeto de Lei proposto seja reavivado. Se está em outro local, fica o convite para você saber se no seu Município ou Estado há alguma iniciativa semelhante. Dizemos somar ao debate para que possamos, juntos, combater a pobreza em suas múltiplas facetas.
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