Propor uma “ditadura do legislativo”, certamente, é um despautério. No entanto, é o que propõem alguns deputados do Centrão com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) cujo objetivo é sustar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que não forem unânimes. Assim, caberia aos parlamentares julgar a validade de eventuais sentenças que a Suprema Corte proferir contra eles, transformando, de uma hora para outra, o réu em juiz.
Se aprovada, a PEC do Absurdo, como é tratada nos corredores do Congresso, poderia rever decisões como a condenação do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), a criminalização da homofobia e até mesmo a demarcação de terras indígenas. Para mais, de janeiro de 2019 até junho deste ano, 2.402 acórdãos foram aprovados no STF sem votação unânime. Seriam, portanto, todos revistos?
O que dá certo alívio, no entanto, é que, para começar a tramitar, são necessárias 171 (número um tanto quanto sugestivo, diga-se) assinaturas. Até o último dia 17, a medida contava com não mais de 50. Ademais, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), chegou a se posicionar afirmando que não pretende trabalhar pela proposta porque ela não é uma prioridade para o país.
Mesmo assim, é de causar espanto que políticos eleitos democraticamente por um regime no qual a separação dos Poderes é cláusula pétrea da Constituição apoiem uma emenda que atente contra a Carta Magna. Mais espantoso ainda é saber que não é a primeira vez que esse tipo de projeto é aventado.
Em 2011, o deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI) propôs a alteração do artigo 49 da Constituição - que trata da competência exclusiva do Congresso Nacional - no intuito de permitir que os parlamentares pudessem “sustar decisões de todos os poderes, e não só do Executivo”. O petista justificou dizendo que a PEC tinha como objetivo “contribuir para o equilíbrio entre os três Poderes”. O texto, claro, foi arquivado.
Ano passado o assunto voltou à tona quando a deputada federal e então presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), Bia Kicis (PL-DF), decidiu pautar a CCJ com proposta que também dava aos parlamentares o poder de suspender decisões do STF. A medida também caiu.
Contudo, esse tipo de conduta reforça a tese de Daniel Ziblatt e Steven Levitsky em Como as democracias morrem. Para eles, a morte de um regime democrático não se dá mais por meio de armas ou golpes militares, e sim por processos legalmente legítimos. Os autoritários, ressaltam Ziblatt e Levitsky, utilizam a lei a seu favor para expandirem suas autoridades e se perpetuar no poder.
Cabe aos eleitores, então, ficarem atentos às atitudes dos parlamentares para que, em outubro, com a chegada das eleições, não dêem às figuras autoritárias a menor oportunidade de, por meio de leis imorais, legitimar um golpe de Estado. Afinal, o risco desse tipo de atentado não rodeia apenas o Planalto.
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