Já falamos nesta coluna sobre a morte da juventude negra no Brasil. Você lembra dessa reflexão? Confira aqui.
Naquela oportunidade, ressaltamos que, segundo dados do IBGE, mais de 50% da população no Brasil é negra. Dados do IPEA (Atlas da Violência), indicam que os homicídios representam mais de 50% das causas de mortalidade do grupo etário de pessoas entre 15 e 29 anos, e deste total 75% são pessoas negras. Ou seja, se tem uma causa principal da morte dos jovens negros no Brasil, certamente podemos dizer que é a violência.
Agora, próximos do Dia Nacional da Consciência Negra (20/nov), importante que façamos um novo recorte para entendermos a profundidade e importância do debate etário, racial e, também, de gênero.
Isto porque agora em novembro também iniciamos os “16 Dias de Ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”, uma campanha mundial proposta pela ONU desde 1991 para maior engajamento da população e de lideranças políticas para a conscientização, prevenção e eliminação da violência contra mulheres e meninas.
Feita essa breve introdução sobre os motivos desta coluna de novembro, vamos ao tema de reflexão neste mês.
O mesmo levantamento do IPEA citado acima traz que 66% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. Se avaliarmos os dados de 2009 a 2019, “o total de mulheres negras vítimas de homicídios apresentou aumento de 2%, passando de 2.419 vítimas em 2009, para 2.468 em 2019”, enquanto a taxa em mulheres brancas caiu mais de 26%.
Ora, como explicar que houve significativa melhora na segurança e na proteção de mulheres brancas, enquanto mulheres negras continuam sendo mortas em número crescente?
Entre muitos outros, casos como Kethlen Romeu, no Rio de Janeiro, e de Breonna Taylor nos Estados Unidos, escancaram uma violência muito peculiar às mulheres negras pelo mundo e, infelizmente, fazem parte das estatísticas assombrosas em nosso país, potencializadas por desigualdades inerentes à raça e ao gênero de forma estrutural em nossa sociedade.
Tão fundamental este recorte racial na violência de gênero que IPEA também fez um relatório específico, chamado “Dossiê Mulheres Negras”, para trazer o retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil, o qual atestou desigualdades no ensino e no mercado de trabalho, evidenciando a disparidade em questão de acesso a bens de consumo e de renda, além da alta vitimização de mulheres negras por agressão física, que refletem nas estatísticas de feminicídio antes apontadas.
Segundo esta pesquisa, a partir de 2007 a maioria das famílias no Brasil passou a ser chefiada por mulheres negras. Todavia, embora tenha se percebido ligeira melhora com a redução da desigualdade social no país, estas mesmas famílias sempre se mantiveram na posição de “piores rendimentos”, seguidas das famílias chefiadas por homens negros (p. 26-29).
Como ensina a Professora Suelaine Carneiro, também referenciando outros estudos como o de Benilda Brito, em 1997 (“Mulher negra e pobre – a tripla discriminação”), a violência contra a mulher negra remonta à época do tráfico de escravos (por exemplo, com estupros e abusos sexuais praticados pelos senhores de escravos, seus familiares e agregados).
Mesmo mais recentemente, com o avanço das lutas de mulheres, quando olhamos o movimento feminista brasileiro, podemos averiguar que as relações entre as próprias ativistas também foram impactadas pelo racismo, tendo em vista que as feministas negras apresentaram dificuldade para se inserir como sujeitos autônomos e políticos.
Isso sem citar desigualdades frente ao sistema de saúde, moradia, assistência social etc., o que pode se averiguar também durante a pandemia do Covid-19, conforme pesquisa publicada pela Oxfam.
A vulnerabilidade da mulher negra, portanto, não é somente vinculada ao racismo estrutural que permeia nossa sociedade, mas também à falta de estrutura política e social para sua completa inserção e garantia de direitos nas mais diversas esferas e espaços públicos de tomada de decisão e poder.
Ainda que dentro de suas residências, mulheres negras também são alvo. A Lei Maria da Penha foi promulgada em 2006 e completou 15 anos em 2021. Todavia, a proteção dirigida por esta norma ainda não é uma realidade quando observamos a raça das vítimas.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021), feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança, aponta que as vítimas de feminicídio, em sua maioria, estão entre 18 e 39 anos e, destas, 61,8% são negras. São mulheres jovens e negras sendo mortas todos os dias, o que faz o Brasil ocupar o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Fato é que continuamos silenciados, enquanto sociedade, por um racismo estrutural que mata, direta e indiretamente, e, enquanto mulheres, silenciadas pelo machismo, que igualmente mata, direta e indiretamente. Fazendo, pois, estas análises entre raça e gênero, as quais são indissociáveis dentro do cenário atual do nosso país, podemos avaliar que as mulheres negras e jovens são alvo certo do feminicídio no Brasil.
Daí a necessidade de olharmos para nossos próprios atos diários em verdadeira crítica sobre o papel que ocupamos na sociedade. Independente de raça, se você é homem, como tem contribuído para o debate de gênero e para a proteção e igualdade das mulheres? Se você é mulher branca, como tem sido seu feminismo e como tem se colocado dentro de sua estrutura de privilégio?
Este é um debate que vai além de novembro, mas que, em atenção às datas apontadas no início deste texto, mostra-se necessário trazermos à nossa roda de conversa mensal nesta coluna!
Vamos junt@s mudar estes números?
Comentários: